O ápice do desenvolvimento do cérebro ocorre na infância. A maior neuroplasticidade está no primeiro ano de vida, quando é essencial incentivar a criação de habilidades psicomotoras e intelectuais por meio de experiências. Todo aprendizado adquirido nesta fase forma um indivíduo pensante, ativo e capaz de aprender e adaptar-se. Uma das ferramentas úteis para atingir tal objetivo é o bilinguismo.
De acordo com um ensaio publicado em 2010 na Revista Ciências & Cognição, crianças bilíngues têm desempenho superior nas tarefas que exigem maior demanda de funções cognitivas. Ao mesmo tempo, apresentam consciência metalinguística mais precocemente que as monolíngues. Toda essa experiência é favorecida pelas imersões culturais – características do bilinguismo – que favorecem o acesso aos diferentes usos da linguagem.
As descobertas da neurociência são importantes guias para o ensino e norteiam as iniciativas em sala de aula. Dessa forma, tornam o processo de aprendizagem mais eficaz, além de oferecerem segurança à atuação docente.
O que a neurociência sabe sobre o desenvolvimento infantil
A neurociência estuda o sistema nervoso, formado pela medula espinhal e pelos nervos periféricos, além do cérebro, órgão que comanda todas as funções do corpo, incluindo memória, emoção e intelecto. Os conhecimentos na área podem nortear as iniciativas de docentes em sala de aula, além de agregar objetividade no aprendizado.
Sabe-se que nos primeiros 12 anos de vida, as sinapses (comunicações entre os neurônios) estão em seu máximo desempenho. É nessa fase que o cérebro elimina as informações inúteis e mantém as úteis, o que expande capacidades. “O cérebro da criança é preparado para um aprendizado intenso desde o momento do nascimento e não existe “sobrecarga” cognitiva”, afirmou Ingrid Finger, coordenadora do Laboratório de Bilinguismo e Cognição da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em entrevista à Revista Educação.
Além disso, habilidades adquiridas na infância costumam ter um forte impacto em toda a vida de um indivíduo. No entanto, o envelhecimento dificulta a realização destas conexões, embora não impossibilite a obtenção de novas aptidões – o que apenas requer mais esforços.
Habilidades construídas com o bilinguismo
Falando em novas habilidades, o bilinguismo é uma delas. Afinal, a comunicação é uma peça importante da formação da estrutura cerebral – e quanto mais ampla, melhor. O aprendizado de uma segunda língua traz benefícios em três habilidades cognitivas, de acordo com Adele Diamond, professora de neurociência da Universidade da Colúmbia Britânica. São elas:
Controle inibitório: trata-se da capacidade de analisar respostas e reações impulsivas. As estruturas frontais do cérebro responsáveis pelo controle de impulsos são as últimas a amadurecerem durante o desenvolvimento. Por essa razão, é comum ver crianças apresentando dificuldades para lidar com emoções e pensamentos de forma saudável.
À medida em que o corpo envelhece, o controle inibitório tende a ser um dos mais afetados, devido à perda das estruturas frontais. Porém, se estimulado desde a infância, essa dificuldade pode ser mais branda. A linguagem é uma habilidade capaz de causar o devido estímulo. Se ampliada para um segundo idioma, mais duradouro será o controle.
Memória de trabalho: essa função permite armazenar e manipular memórias em tempo limitado. Ou seja, quando bem desenvolvida, possibilita que um pensamento seja analisado e direcionado da forma correta. A memória de trabalho é constantemente usada em cálculos, ideais, leitura e interpretação de textos, além de ser responsável por manter o foco e a concentração.
Quando uma pessoa possui duas ou mais línguas em seu repertório, há uma disputa saudável no cérebro. O fator causa um aprimoramento da habilidade de memória de trabalho, tornando o processamento de informações mais eficaz.
Flexibilidade cognitiva: muito usada no dia a dia, a habilidade está diretamente relacionada à resolução de problemas e à adaptação em diferentes contextos. É através da flexibilidade cognitiva que o cérebro se adapta aos novos acontecimentos e busca a melhor forma de lidar com eles.
Um cérebro sempre acostumado a pensar em diferentes idiomas também é capaz de refletir sobre diferentes possibilidades e soluções para as situações. Assim, o exercício proporcionado pelo bilinguismo amplia o raciocínio humano.
Orientações nacionais sobre a educação bilíngue
O ensino de línguas adicionais não apenas é reconhecido como benéfico pela neurociência como também pelas orientações nacionais no campo educacional. Tanto é que é previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e serve de base para a educação bilíngue no Brasil. “A política relacionada ao ensino de idiomas na escola que está presente no documento está embasada em uma visão que é consistente com os princípios de uma educação bilíngue de qualidade”, considerou Finger. A avaliação positiva deve-se à abordagem das línguas adicionais como ferramentas de comunicação que possibilitam a participação dos alunos em um mundo cada vez mais globalizado.